segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Pesquisa explica como bactéria engana o organismo



Pesquisadores do Brasil, da Austrália e dos EUA descobriram como uma bactéria consegue enganar as células que invade, impedindo que elas revidem o ataque.
Pouca gente conhece a Coxiella burnetii, embora o micróbio tenha sido estudado como possível agente de um ataque biológico durante a Guerra Fria, conta Dario Zamboni, pesquisador da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto.
"Além de muito estável no ambiente, ela consegue causar a doença com alta eficiência. Bastam cinco indivíduos da espécie para desencadear a infecção numa pessoa", diz Zamboni, um dos autores da nova pesquisa sobre o micro-organismo, publicada na revista científica "Nature Communications".
Normalmente, a C. burnetii causa uma pneumonia leve, que pode ser confundida com uma gripe comum, capaz de "derrubar" o doente por dois ou três dias.
A presença da bactéria quase nunca é diagnosticada —o que não significa que muita gente não seja infectada por ela.
"Levando em conta os estudos que avaliam a presença de anticorpos produzidos pelo organismo como reação à presença da bactéria, e que permanecem no corpo por muito tempo após a infecção, cerca de 5% da população parece ter tido contato com ela", afirma Zamboni.
Há casos bem mais sérios, quando a C. burnetii leva à hepatite ou à endocardite (problema que afeta a camada mais interna do coração, o endocárdio).
A bactéria é o que os biólogos chamam de patógeno intracelular, ou seja, só se sente à vontade no interior das células humanas, numa estrutura chamada vacúolo.
Protegida nesse "saco de dormir" que, por sua vez, fica dentro dos macrófagos (uma célula de defesa do organismo), a C. burnetii se põe a manipular o hospedeiro.
Um dos pontos mais importantes desse processo é a maneira como o micro-organismo engana o sistema de alerta inflamatório dos macrófagos. Quando outras bactérias chegam no interior desse tipo de célula, substâncias produzidas por elas são reconhecidas por esse sistema, o chamado inflamassomo.
Os componentes-chave do inflamassomo são moléculas conhecidas como caspases, cuja ação leva à abertura de buracos na membrana dos macrófagos e à autodestruição dessas células, chamada de piroptose.
Ao "estourar", a célula infectada que sofre piroptose libera substâncias que promovem a inflamação e o combate à bactéria invasora.
Tudo isso também deveria acontecer quando a C. burnetii se instala nas células humanas, mas os pesquisadores descobriram que o micróbio é particularmente hábil em evitar a piroptose de suas vítimas e continuar se multiplicando dentro delas.
O difícil era saber como a C. burnetii fazia isso, em parte porque é complicado cultivar a bactéria em laboratório (ela se multiplica devagar) e manipulá-la geneticamente para estudar quais trechos de seu DNA estão ligados a esses talentos especiais.
Zamboni e seus colegas brasileiros contornaram esses problemas com a ajuda da pesquisadora australiana Hayley Newton, da Universidade de Melbourne, uma das primeiras a "domesticar" o patógeno, e que também assina o estudo junto com ele. Newton e a equipe da USP de Ribeirão Preto conseguiram identificar um gene da bactéria até então desconhecido, apelidado de IcaA.
Esse gene contém a receita para a produção de uma molécula que a bactéria injeta na célula onde está alojada e que é capaz de bloquear justamente a ativação do inflamassomo por uma das caspases. Esse não deve ser o único truque da C. burnetii, mas certamente é um dos mais importantes.
CONTRA SEPSE?
Além de abrir a possibilidade de combatermos essa bactéria no futuro, a descoberta também pode ajudar na formulação de estratégias contra a sepse, um problema que mata pacientes (em geral gente que está hospitalizada há muito tempo) por causa da resposta inflamatória excessiva do corpo a uma infecção.
A ideia é usar os poderes do micro-organismo para o bem, digamos, aproveitando o mecanismo do gene IcaA para desarmar a inflamação.
Seja como for, num momento em que praticamente todos os antibióticos disponíveis estão tendo de enfrentar bactérias resistentes a eles, nunca é demais entender mais precisamente a biologia desses patógenos.
"Se você aprender a inibir uma agulha molecular como essa, você pode não matar a bactéria, mas evita que ela se espalhe pelo organismo", resume Zamboni.
A pesquisa teve apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e do programa Ciência Sem Fronteiras, do governo federal. 

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