Brasileiros ficaram asfixiados por bloqueio ao WhatsApp, diz fundador
Peter DaSilva - 23.mai.2013/The New York Times | ||
Brian Acton (à esq.) e Jan Koum, cofundadores do WhatsApp, na sede da empresa em Moutain View |
Um caso de "asfixia". É assim que Brian Acton, 44, cofundador do WhatsApp, classifica o episódio dobloqueio judicial do aplicativo, em dezembro do ano passado, em razão de a companhia não ter liberado dados para investigações criminais (o app ficouindisponível por cerca de 12 horas, por decisão da 1ª Vara Criminal de São Bernardo do Campo).
"É como se uma 'linha vital' tivesse sido interrompida, [os usuários] estavam asfixiados. E não foi uma escolha nossa, como se tivéssemos desligado nossos servidores. Não tínhamos uma maneira certa de reagir", afirmou Acton à Folha, na primeira entrevista que ele concedeu sobre o assunto, ao lado do sócio Jan Koum, 40, também criador da ferramenta, que tem ao menos 100 milhões de usuários no país e 1 bilhão no mundo.
Eles sustentam que não armazenam as informações pedidas pelas autoridades, por isso não podem repassá-las.
Essa disputa entre o aplicativo e a Justiça brasileira também provocou, no mês passado, a prisão de Diego Dzodan, vice-presidente do Facebook, empresa dona do WhatsApp –o executivo passou uma noite na cadeia em razão de o app não ter liberado informações sobre supostos traficantes de drogas investigados pela Polícia Federal.
E, a partir desta terça-feira (5), poderão colaborar menos ainda, ao menos em tese. O WhatsApp introduzirá, por meio de uma atualização, criptografia "end-to-end" (no qual apenas as pessoas na conversa podem ler as mensagens –nem mesmo as companhias podem acessar a comunicação) em todos os seus aplicativos e em mensagens e tipos de arquivos.
É a culminação de um processo gradual anunciado em 2014, mesmo ano da aquisição da empresa pelo Facebook. A demora, segundo Koum e Acton, tem a ver com a dificuldade da implementação.
"Foi como trocar o motor de um avião em voo", disse Koum na entrevista, na sede da empresa, no Vale do Silício, na Califórnia.
Com esse método de criptografia, só é possível ler o conteúdo de uma mensagem no aparelho em que ela foi composta e ao qual ela foi destinada. Ao menos a princípio, isso evita que seja interpretada mesmo em caso de interceptação, seja por um cibercriminoso, seja por governos e autoridades.
No caso de uma futura solicitação, a empresa sequer poderia permitir um grampo demandado pela Justiça, já que a criptografia tornaria a medida essencialmente inútil, mas os executivos não demonstram preocupação em relação a essa e outras facetas controversas dessa técnica.
O tema não deixou o noticiário desde então, já que, além desses casos, há uma batalha entre a inteligência americana e a Apple por causa do iPhone de um dos autores do atentado em San Bernardino, Califórnia, realizado no ano passado.
Leia abaixo trechos da entrevista.
Folha - Por que criptografia?
Jan Koum - Há cibercriminosos e regimes totalitários que podem perseguir pessoas porque elas pensam diferente, porque são gays ou porque têm uma outra religião [que não a patrocinada pelo Estado]. É algo importante para todos os países, não só para o Brasil, mas para toda pessoa em todo país. Você precisa ter a certeza de que sua conversa não está sendo grampeada por uma ditadura, um hacker ou seja lá quem for.
Brian Acton - O Brasil representa uma das nossas maiores populações, então sentimos que era importante que as pessoas lá entendam o que estamos fazendo, construindo um produto seguro –é mais uma razão para que elas continuem usando WhatsApp todos os dias.
Isso dificulta potenciais investigações sobre atividade ilícita no aplicativo?
Jan Koum - Sim. Implementar a criptografia é como o gênio, que não pode ser recolocado na lâmpada. Se criminosos quiserem usar criptografia, há 20, 30 ou 50 diferentes aplicativos de código aberto que podem usar. E nós achamos que não só criminosos deveriam ter acesso a criptografia –todo o mundo deve. Para nós, não é como se fosse um conflito de escolha, mas sim apenas para onde o mundo está caminhando.
E se conteúdo criminoso, como pornografia infantil, é transmitido, há como saber?
Jan Koum - Não somos uma rede anônima. Para usar o app as pessoas precisam de um número de telefone que é associado à sua identidade, e as empresas de telecomunicação sabem quem é dono de qual número. Então eu acho que tratar-nos como uma rede anônima na qual as pessoas podem acessar e criar um usuário anônimo, pseudônimos, não é algo totalmente preciso. Os usuários ainda estão atrelados a uma identidade, a uma pessoa, um número de telefone que pertence a um ser humano.
O WhatsApp demonstrou apoio à Apple na batalha contra o FBI –sua empresa teria a mesma atitude se estivesse naquela situação?
Jan Koum - Por sorte, vivemos em um ambiente no qual a criptografia não é ilegal. E as pessoas estão começando a entender que têm o direito de proteger sua privacidade, seus dados. Todo dia você lê algo sobre algum computador invadido em algum lugar, e as pessoas põem mais e mais suas vidas na internet. Criptografia é bom, temos sorte por não ser ilegal e espero que continue dessa maneira.
Parte disso é uma questão de conhecimento, as pessoas entenderem como o aplicativo funciona e quais são as limitações.
No caso dos bloqueios no Brasil, o WhatsApp poderia ter colaborado?
Brian Acton - O aspecto fundamental é que nos pediram para prover um tipo de informação que não somos capazes de produzir. Se as pessoas estão buscando conteúdo não criptografado de mensagens, não há como produzirmos isso.
Jan Koum - Não há uma chave-mestra. Isso torna o app seguro e privado. Ninguém tem uma chave-mestra.
E isso já era verdade então?
Jan Koum - Já não armazenávamos mensagens nos nossos servidores, então assim que ela é apagada no seu celular, não temos mais acesso a ela –criptografada ou não. Não armazenamos nada na nuvem como outros serviços de mensagem porque achamos que essa é a melhor abordagem de segurança e privacidade para os usuários.
Qual o dano causado à empresa e aos usuários quando há esse episódio de bloqueio?
Jan Koum - É como oxigênio.
Brian Acton - É uma necessidade básica. É horrível para os usuários [que tenha havido o episódio de bloqueio no país], é como se uma 'linha vital' tivesse sido interrompida, estavam asfixiados. E não foi uma escolha nossa, como se tivéssemos desligado nossos servidores. Não tínhamos uma maneira certa de reagir. Não sabemos o que fazer nesses casos.
O que mudou desde a aquisição pelo Facebook?
Jan Koum - Podemos falar mais do que não mudou. Ainda trabalhamos no nosso produto, estamos separados fisicamente, responsáveis pelos projetos futuros, quem contratamos e o que decidimos criar, mas, ao mesmo tempo, somos a mesma empresa, então obviamente integramos algumas coisas-chave, como os departamentos de RH e o jurídico.
Usamos a infraestrutura do Facebook para ajudar com, por exemplo, chamadas de voz, que introduzimos no ano passado. Ligações, na verdade, são realizadas por meio dos servidores do Facebook porque têm maior disponibilidade e estabilidade. Ocasionalmente também nos beneficiamos de engenheiros do Facebook juntando-se a nós. É algo que nos ajuda a crescer mais rápido e melhor em vez de nos atrapalhar.
A remoção da taxa anual, que era de US$ 1, tem a ver com a capacidade de manter suas taxas de crescimento?
Jan Koum - Não vemos necessariamente nosso crescimento atrelado a esse pagamento, mas sim à qualidade e acessibilidade do produto ao redor do mundo. Nós damos ouvidos ao que os usuários nos pedem, como foi o caso da criptografia.
Como ganhar dinheiro agora?
Jan Koum - Não temos nada para anunciar em relação a participações comerciais [a empresa afirmou publicamente que quer cobrar de companhias que queiram se comunicar com consumidores por meio do WhatsApp]. Nosso esforço de monetização ainda é muito incipiente.
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