Manuscritos do Mar Morto cairão na internet para consulta
Os Manuscritos do Mar Morto -documentos bíblicos de 2.000 anos descobertos nas cavernas desérticas de Qumran, em Israel- são o maior e mais antigo quebra-cabeça do mundo.
Muitos de seus cerca de 20 mil fragmentos -3.000 deles ainda nem digitalizados- continuam um mistério para especialistas que, há décadas, lutam contra o tempo para encaixar as peças do enigma.
Com orçamento de 1,6 milhão de euros da Fundação Alemã de Pesquisa (DFG), israelenses e alemães anunciaram, no fim de fevereiro, o projeto Scripta Qumranica Electronica. Será criado um site onde qualquer um-especialista ou leigo- poderá tentar decifrar as charadas escondidas nos documentos.
A rápida deterioração dos milhares e minúsculos fragmentos torna a missão urgente. Os fragmentos não podem ser expostos à luz natural sob perigo de perderem ainda mais a nitidez ou se desintegrarem.
Quando os documentos foram encontrados, entre 1946 e 1956, alguns estavam quase intactos graças ao ambiente seco do deserto da Judeia e ao fato de terem passado os últimos 2.000 anos no escuro, dentro de vasos de argila escondidos em cavernas.
Mas outros tinham sido reduzidos a pedaços mínimos quase ininteligíveis. Hoje, são mantidos a sete chaves em ambiente especial no Santuário do Livro, do Museu de Israel, em Jerusalém.
É aí que entra a tecnologia. Ferramentas como reconhecimento de caligrafia e textura dos pergaminhos estão sendo desenvolvidas para ajudar a casar as peças sem tocá-las.
As ferramentas não servirão só para encaixar fragmentos cujo lugar ainda não foi encontrado, mas para ver formas diferentes de montar manuscritos que já pareciam decifrados.
O projeto, com prazo de cinco anos para ficar pronto, é uma colaboração entre especialistas em pergaminhos antigos e cientistas da computação. Juntos, eles vão criar um ambiente virtual e dinâmico no qual os fragmentos já digitalizados -e os ainda não digitalizados- poderão ser consultados por gente de todo o mundo, junto a bancos de dados de textos, transliterações e análises de conteúdo.
"Primeiro, queremos decifrar tudo o que ainda não conseguimos. Depois, montar o que ainda não foi identificado", explica Pnina Schor, curadora e diretora do Projeto Manuscritos do Mar Morto.
divisão do trabalho
Em 2012, Pnina lançou um site com fotografias dos Manuscritos do Mar Morto: a Biblioteca Digital Leon Levy, da Autoridade de Arqueologia de Israel (IAA), com apoio do Google. O sucesso foi enorme: mais de um milhão de pessoas já o visitaram. Atualmente, há 15 mil visitas semanais.
A ideia é conectar esse site aos da Academia de Ciências e Humanidades de Göttingen, na Alemanha, das universidades israelenses de Tel Aviv e Haifa, e da Academia de Letras de Israel.
Cada uma das instituições se especializará em um aspecto dos manuscritos: do escaneamento das imagens em alta resolução dos fragmentos à transliterações dos textos, passando por um dicionário de palavras e análise do conteúdo.
"A tecnologia de hoje é incrível. Com fotografia infravermelha e multiespectral, podemos ver palavras ocultas em pergaminhos que escureceram com o tempo. Por isso, há leituras novas dos documentos, que nos fazem repensar o que já foi descoberto", diz Pnina Schor.
O projeto também levanta questões filosóficas. Afinal, 2.000 anos separam os escribas dos textos escondidos no deserto da Judeia dos cientistas do século 21.
"Alguns dos manuscritos do Mar Morto contêm questionamentos religiosos, provavelmente por isso as pessoas se interessam tanto. Eles podem ajudá-los a compreender as origens do cristianismo", afirma o professor Nachum Dershowitz, do Departamento de Ciências da Computação da Universidade de Tel Aviv.
Segundo Dershowitz, grande percentual das peças desse quebra-cabeça sumiu ou se desintegrou. A tecnologia pode ajudar no trabalho, mas o olho humano não poderá ser substituído.
"No fim, é o olho humano que vai identificar se as peças se encaixam ou não. Mas se você tem milhares de peças e o computador pode fazer sugestões", diz.
TEXTOS MOSTRAM PRIMÓRDIOS DO CRISTIANISMO
Os Manuscritos do Mar Morto foram descobertos há 70 anos dentro de jarros de argila nas cavernas desérticas de Qumran, a cerca de dois quilômetros do Mar Morto e a 420 m abaixo do nível do mar, o local mais baixo da Terra. Os primeiros jarros foram revelados em 1946, mas por dez anos ainda retiravam-se pergaminhos do local.
Os 972 textos encontrados datam de 400 a.C. até 300 d.C. São escritos principalmente em hebraico, mas há textos também em aramaico, grego e numa escrita críptica quase ininteligível.
São divididos em manuscritos bíblicos (40%); bíblicos apócrifos, ou seja, não incluídos na Bíblia (30%); e manuscritos sectários, que revelam a ideologia e o cotidiano do grupos judaicos da época (30%).
Dos 225 textos bíblicos (os mais antigos já descobertos), há, por exemplo, o mais antigo exemplo dos Dez Mandamentos.
Os documentos revelam o passado da Judeia sob controle de gregos e romanos. Parte deles foi escrita na época de Cristo e conta a história dos judeus nos primórdios do cristianismo.
A descoberta foi feita por acaso pelo pastor de ovelhas Muhammad Edh-Dhib na época em que a região era controlada pelos britânicos. Hoje, ela faz parte da Cisjordânia, disputada entre palestinos e israelenses.
Diz a lenda que, para tentar descobrir o que havia numa das cavernas, o pastor jogou uma pedra e escutou, para seu assombro, o barulho de argila quebrando.(dk)
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