segunda-feira, 18 de julho de 2016

Procurador da Lava Jato prega mudanças na lei em palestras em igrejas e congressos

Deltan Dallagnol já fez 150 apresentações sobre as medidas anticorrupção sem ganhar dinheiro

Agência Estado
Deltan Dallagnol: "Vivemos uma janela de oportunidade" com a Operação Lava JatoGeraldo Bubniak/16.05.2014/AGB/Estadão Conteúdo
No auditório da Primeira Igreja Batista de Curitiba, o procurador Deltan Dallagnol propõe a cada espectador da palestra "Liderança Corajosa" que, durante um minuto, discuta com o companheiro ao lado sobre a questão: a Operação Lava Jato transforma o País?
"Outro dia, fiz a mesma proposta para um grupo de mulheres e quase não consegui retomar a palestra", brinca Dallagnol.
A plateia ri, conversa e pouco depois o procurador retoma o raciocínio. Diz que a investigação do maior esquema de desvio de recursos e pagamento de propina em estatais brasileiras "infelizmente não muda o País", mas pode despertar uma inédita mobilização de combate à corrupção.
— Vivemos uma janela de oportunidade, o caso Lava Jato deixou a sociedade altamente sensível e esperançosa de mudanças.
A declaração é quase um mantra do procurador de 36 anos que chefia a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, onde a investigação começou em março de 2014.
Além do trabalho na Lava Jato, Dallagnol se dedica a viajar o País para divulgar a campanha Dez Medidas contra a Corrupção, que alcançou 2,2 milhões de assinaturas e já tramita como projeto de lei de iniciativa popular na Câmara dos Deputados.
Em palestra no Rio para investidores, na semana passada, o procurador disse que já fez, "sem ganhar nada por isso", mais de 150 palestras só sobre as medidas anticorrupção e perdeu as contas das apresentações sobre outros temas ligados ao combate ao crime.
Quando Dallagnol, com um grupo de colegas, decidiu levar adiante a campanha pelo projeto de iniciativa popular, o ponto de partida foi a Igreja Batista, que frequenta desde criança. Os convites se expandiram. Hoje vão do Congresso Brasileiro de Cirurgiões à Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital, plateia do procurador na noite de 7 de julho em um hotel no Rio.
— Vou decepcionar os que esperam mais um momento sobre como lucrar nos negócios. Se vocês seguirem minhas dicas, infelizmente vão falir. Tenho ações de Petrobras, do BTG Pactual e da Queiroz Galvão [estatal, banco e empreiteira investigados na Lava Jato, para diversão dos investidores].
Weber, Luther King
O palestrante adapta sua apresentação à plateia, mas segue um roteiro padrão que mistura pequenos filmes, tabelas, charges, mapas, citações de intelectuais como Max Weber, um dos pensadores da sociologia, e o pastor e ativista americano Martin Luther King. Vez ou outra, faz referência a alguma passagem bíblica.
Rebate acusações de abusos da Lava Jato, como excesso de prisões preventivas e delações premiadas. Insistentemente defende a tese de que o combate à corrupção "é uma questão de amor ao próximo, de serviço à sociedade".
Criador do curso "Humanismo em Nove Lições", voltado para juízes, e um dos autores do estudo Corpo e Alma na Magistratura Brasileira, o cientista social Luiz Werneck Vianna tem observado a nova geração de profissionais de Direito no Brasil.
— São filhos dessas novas correntes que aproximam o Direito da sociedade. Estávamos necrosados em uma tradição positivista que interditava uma percepção nova dos problemas sociais. É um movimento geracional que coincide com a mudança de bibliografia do Direito, em que cientistas sociais têm sido cada vez mais incorporados. É um Direito mais responsivo, mais aberto a problemas sociais, voltado para temas como o reconhecimento das minorias.
Em muitos profissionais, Werneck Vianna identificou traços comuns, como o fato de completarem os estudos em universidades americanas, vínculos com a religião e idades em torno de 40 anos.
— A velha tradição está sendo deslocada. A 'common law' [Direito baseado mais na jurisprudência e nas decisões dos tribunais do que apenas no texto da lei] passou a ser incorporada por essas novas gerações, muitos foram estudar nos Estados Unidos. Há um grupo de pessoas formadas no campo do Direito que escolheu a carreira pública e tenta assumir um protagonismo em mudanças no País. Há um movimento em que está presente a mística da salvação, da missão de salvação. Há alguma coisa de revolução dos santos, como a que ocorreu com o advento do protestantismo, nesses juízes e promotores.
Dallagnol em muito se encaixa nesse novo perfil. Em 2003, quando ingressou por concurso no Ministério Público Federal, tinha 23 anos e era o segundo mais novo procurador do País. Logo passou a trabalhar na investigação de remessas ilegais de dinheiro para o exterior no caso Banestado.
"Hoje está perdido nos escaninhos do Judiciário rumo à prescrição", lamenta ele em mais um trecho recorrente de suas palestras. "Minha história é de alguém que teve fracassos sucessivos no combate à corrupção", resume. Entre 2013 e 2014, Dallagnol fez mestrado na Universidade Harvard (EUA). 
— Quanto voltei, estava 'grávido' do meu primeiro filho, pensava em ir para a academia. Mas entrei em um caso [inicialmente, uma investigação sobre lavagem de dinheiro] que hoje é a Lava Jato. Deu no que deu.
O coordenador da Lava Jato desperta na plateia muita curiosidade sobre os rumos das investigações e a impunidade, mas também sobre sua vida pessoal. Conta que é casado, tem dois filhos e reconhece que sacrifica a vida familiar pela causa do combate à corrupção.
Não são raras as perguntas sobre o que planeja no futuro. A uma espectadora que foi mais direta e questionou se pretende entrar para a política, o procurador não afastou a possibilidade.
— Eu descartaria poucas coisas em relação a meu futuro, cogito talvez até virar pastor. Mas nós focamos no presente.

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