Olimpíada aumenta pressão sobre segurança no Rio: veja os principais desafios
- Há 36 minutos
Policiais com salários atrasados, confrontos em comunidades onde a situação era tida como "calma e sob controle" e, em vias expressas, assaltos com mortes e balas perdidas. Em grandes favelas como Maré e Alemão a situação se deteriorou, com o retorno de intensos tiroteios e incursões da polícia.
Se a segurança já preocupa cariocas diariamente, a situação no Rio de Janeiro tende a gerar mais tensões com a aproximação da Olimpíada, que aumentará a demanda sobre as forças de segurança.
Policiais civis fazem paralisações por conta no atraso de salários, e o governo fluminense aguarda R$ 2,9 bilhões do Governo Federal para a área de segurança, em meio à crise financeira estadual que levou a um decreto de calamidade pública.
Outro foco de preocupação é o extremismo: o grupo autodenominado Estado Islâmico montou um canal num aplicativo com mensagens em português nas últimas semanas, e a Polícia Federal monitora um morador de Santa Catarina suspeito de ter frequentado treinamentos de extremistas na Síria.
Apesar do "coquetel explosivo", os organizadores se dizem confiantes de que a Olimpíada ocorrerá sem problemas e sob forte esquema de policiamento e vigilância. À BBC Brasil, o Comitê Rio 2016 disse que o Brasil tem "forte experiência na segurança de megaeventos".
Em coletiva nesta quarta-feira, Andrei Rodrigues, chefe da Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos do Ministério da Justiça (Sesge), disse que as autoridades têm feito "background checks" (checagem de antecedentes ou riscos) e até agora, de quase 394 mil consultas, 7.262 pessoas tiveram credenciais negadas (1,88% do total).
As checagens estão sendo feitas com todas as pessoas que receberão credenciais (atletas, técnicos e profissionais terceirizados das mais diversas áreas).
Com a proximidade do megaevento, a BBC Brasil ouviu especialistas e autoridades para listar quatro desafios de segurança que persistem, tanto para cariocas quanto para visitantes:
1 - Extremismo: o temor de 'lobos solitários'
Os esforços de inteligência e ações de contraterrorismo são tidos como pontos-chave para a segurança dos Jogos, que devem atrair 500 mil pessoas - incluindo mais de 200 delegações internacionais, 15 mil atletas e cerca de 80 chefes de Estado na cerimônia de abertura.
Para o consultor Hugo Tisaka, da empresa NSA Brasil, que atuou em segurança privada na Copa do Mundo, o risco de ações extremistas durante a Olimpíada é "real e iminente". Ele acredita que ainda há problemas nas fronteiras e no fácil acesso a armas. "Ações recentes mostram que o risco de ataques se elevou, tanto para grupos quanto para 'lobos solitários', que atuam sozinhos", diz.
Ele cita o canal em português criado pelo EI no aplicativo Telegram e a investigação da Polícia Federal que desde o início de junho monitora o dono de um restaurante em Chapecó (SC). Ele é suspeito de ter passado quase três meses na Síria em 2013 num campo de treinamento do EI.
Sérgio Cruz Aguilar, que tem pós-doutorado em segurança internacional na Universidade de Oxford e coordena um grupo de pesquisa de conflitos internacionais na Unesp, também cita preocuapção especial com a ação de "lobos solitários", a exemplo do atentado recente em Orlando (EUA).
"Apesar da chance de ataques perpetrados por grupos, acredito que há mais preocupação com a ação de pessoas isoladas e independentes", avalia.
Consultada pela BBC Brasil, a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) não se manifestou, mas em abril, o diretor de contraterrorismo da agência, Luiz Alberto Salaberry, disse à imprensa que o risco de ataques no Brasil é "alto" e que há um crescente número de pessoas residindo no país que teriam feito juramento ao EI.
Já Andrei Rodrigues, chefe da Sesge, diz que apesar da "imprevisibilidade desse tipo de ação", o Brasil "está fazendo tudo que pode". Ele cita o Centro de Cooperação Policial Internacional, que entrará em funcionamento em agosto, e um escritório antiterrorismo com cooperação de EUA, Argentina, Reino Unido, e outros países.
Rodrigues também cita 15 cursos de cooperação com a Embaixada dos EUA que treinaram 400 policiais brasileiros.
2 - Crise financeira e policiais sem receber
A segurança pública está sendo duramente afetada pela crise financeira do Estado do Rio, que amarga deficit orçamentário de R$ 19 bilhões em 2016.
Segundo o presidente da Coligação dos Policiais Civis do Estado do RJ (Colpol), Fábio Neira, faltam recursos para manter delegacias em funcionamento e há policiais "fazendo vaquinha" para pagar pela alimentação de presos. Ele também explicou à BBC Brasil que os policiais civis estão com metade do salário de junho atrasada e não recebem as horas extras, o que na prática diminui o número de agentes nas ruas.
No início da semana, os policiais civis fizeram paralisação parcial e protestaram no Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão). Rodou o mundo a foto de um cartaz em inglês, com os dizeres "Bem-vindos ao inferno. A polícia e os bombeiros não recebem salário e quem vier ao Rio de Janeiro não estará seguro".
Criticados por empresários do setor do turismo, os policiais que organizaram o protesto responderam em nota. "Irresponsável é enganar o turista com uma segurança ilusória, prestada por instituições em colapso e com o poder público em calamidade, insolvente e à beira da falência. No meio do caos instalado, uma Olimpíada realizada a qualquer custo e à revelia do bem-estar da população", diz a Colpol.
Em nota, o secretário estadual de segurança, José Mariano Beltrame, disse que o governo "aguarda a liberação dos recursos federais para honrar seus compromissos e dar aos policiais a serenidade necessária para proteger a população". O documento admite ainda que "com a falta de pagamento do RAS a população deixou de contar com mais policiais nas ruas".
Já Roberto Alzir, subsecretário extraordinário de Grandes Eventos, disse à BBC Brasil que "o acúmulo de experiência oriundo dos eventos anteriores, bem como a articulação de forças dos três níveis de governo e comitê organizador dos Jogos, nos permite afirmar que nunca estivemos tão bem preparados".
3 - Retrocessos nas Unidades de Polícia Pacificadora
O programa das UPPs, pilar importante da estratégia de segurança que o Estado implementou em 2008, também vem registrando retrocessos nos últimos meses.
Para a professora Silvia Ramos, que coordena o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes (CESeC), a situação atual de intensos tiroteios em comunidades como Alemão e Rocinha, e a volta de grupos armados e confrontos a favelas da Zona Sul do Rio, como Chapeú Mangueira e Babilônia (no bairro do Leme), mostram que o projeto está "abalado de forma estrutural".
"Nem os mais pessimistas previam que chegaríamos onde chegamos. Dizia-se que a UPP era 'maquiagem' para a Copa e a Olimpíada, mas de vitrine de sucesso a UPP se tornou a pedra, a situação que mais expõe a deterioração da segurança no Rio. Os traficantes perceberam a incapacidade quase total de resposta da segurança pública para ações mais ousadas e retomaram áreas", diz.
Apesar disso, a especialista acredita que durante a Olimpíada a presença das Forças Armadas nas áreas de maior volatilidade deverá inibir confrontos e que o Rio deve manter a tradição de não registrar grandes problemas durante grandes eventos.
"O problema vai ser depois. Há muita preocupação com a segurança do Rio após a Olimpíada. A UPP retirou os grupos armados, mas todos sabem que o policiamento ostensivo tem data de validade", diz.
Para o consultor Hugo Tisaka, outro fator pode influir nos embates em favelas. "A morte do traficante Jorge Rafaat, no Paraguai, deve levar a uma reorganização dos morros no Rio, o que pode gerar confronto", diz.
O próprio José Mariano Beltrame disse dias atrás que a morte do traficante que supostamente havia herdado o posto de Fernandinho Beira-Mar de controle do tráfico entre Paraguai e Brasil deve piorar a criminalidade no Rio e em São Paulo nos próximos meses.
4 - Favelas, assaltos e áreas de maior risco
Dois pontos nevrálgicos da violência no Rio causam temor especial: os complexos de favelas da Maré (localizado entre o Galeão e o centro da cidade) e do Chapadão (na região dos bairros de Costa Barros, Guadalupe e Pavuna, a menos de 1 km de Deodoro, um dos quatro núcleos de competições da Olimpíada).
Citado com mais e mais frequência no noticiário, o Chapadão é tido como um dos locais mais perigosos do Rio neste momento. No sábado, a médica Gisele Palhares Gouvêa foi morta em tentativa de assalto na Linha Vermelha, na altura da Pavuna. Em novembro do ano passado, cinco jovens foram mortos numa chacina em Costa Barros, e policiais militares são suspeitos de terem disparado quase cem vezes contra o carro onde eles estavam.
Na Linha Amarela, no início de maio deste ano, a adolescente Ana Beatriz Frade foi morta em outro assalto quando ia buscar a mãe no Aeroporto do Galeão.
Já na Maré, Edson Diniz, um dos diretores da ONG Redes da Maré, que viveu 40 anos na comunidade, disse em entrevista recente à BBC Brasil que a quebra da promessa de que o local receberia quatro UPPs antes da Olimpíada causou um vácuo na região, que foi ocupada pelas Forças Armadas às vésperas da Copa do Mundo e desocupada mais de um ano depois. "Não temos UPP e não temos alternativa", disse.
Estima-se que pontos como Linha Amarela, Linha Vermelha e avenida Brasil recebam reforço militar e que as favelas da Maré e do Chapadão sejam candidatas à nova ocupação ou a cercos das Forças Armadas, que montariam um cinturão no entorno das comunidades - medida vista como polêmica pelos moradores.
Tais ocupações e cercos só podem ser realizados mediante solicitação do Governo do Estado e com autorização federal, em processo que "ainda é objeto de negociação", segundo o subsecretário Roberto Alzir.
Questionado pela BBC Brasil, o Comando Militar do Leste (CML) esclareceu que os planos de segurança das Forças Armadas para os Jogos, com 38 mil militares (20 mil só no Estado do Rio de Janeiro), já estão "em andamento e em atual execução".
Já a atuação em comunidades e vias expressas seria algo à parte, e integraria "um pedido recente do governo do Estado, mas que oficialmente ainda não foi passado às Forças Armadas. Houve reuniões recentes entre os Ministérios da Justiça, da Defesa e a Presidência com comandantes militares, mas oficialmente ainda não há previsão nem definição".
Andrei Rodrigues, da Sesge, disse que até o momento "não tenho a notícia de que haverá intervenção em favelas".
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