Hormônio consegue reverter envelhecimento de células em teste
Doses de um hormônio masculino foram capazes de reverter um dos elementos do processo de envelhecimento das células, com efeitos benéficos para o organismo de pacientes com doenças genéticas. Os resultados ainda são preliminares, mas sugerem que outros problemas ligados à idade avançada, como o câncer e as doenças cardíacas, talvez possam ser atenuados por meio dessa abordagem.
"É importante deixar claro que isso está muito longe de ser uma fonte da juventude", ressalta o médico Phillip Scheinberg, hematologista do Hospital São José e da Beneficência Portuguesa (SP). "Conseguimos intervir num componente biológico do envelhecimento. Não dá para dizer ainda se é um pedaço pequeno ou grande do processo, mas é bastante razoável imaginar que pessoas sem doenças genéticas também possam ser beneficiadas."
Scheinberg, junto com Rodrigo Calado (médico da USP de Ribeirão Preto) e colegas dos EUA, é autor do estudo descrevendo os resultados da abordagem, que acaba de sair na revista especializada "New England Journal of Medicine". Em essência, o que os pesquisadores fizeram foi reverter o encurtamento das pontas dos cromossomos (as estruturas enoveladas que abrigam o DNA).
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FONTE DA JUVENTUDE? Pesquisa consegue reverter sinais de envelhecimento nas "pontas" do DNA |
Isso significa que os telômeros vão ficando cada vez mais curtinhos a cada multiplicação celular, o que, por sua vez, impõe um limite à quantidade de vezes que a maioria das células consegue se dividir.
Se por algum motivo esse controle se torna ineficiente, o material genético das células pode ficar consideravelmente bagunçado, levando a problemas como a deficiência na produção de componentes do sangue na medula óssea (as células da medula precisam se dividir constantemente e, portanto, dependem de telômeros em bom estado), cirrose e risco aumentado de ter câncer.
Os 27 pacientes recrutados pelo grupo de pesquisadores nos EUA eram justamente pessoas com esse tipo de problema de saúde ligado ao encurtamento dos telômeros. Esses pacientes passaram a ingerir doses de danazol, um hormônio masculino sintético. Esse tipo de substância é usado desde meados do século passado no tratamento de problemas da medula óssea; além disso, testes anteriores in vitro e em camundongos indicavam que tais hormônios podiam ativar a produção de moléculas que reconstroem os telômeros.
Os testes não foram fáceis, em parte porque a dose de danazol escolhida pelos médicos era a mais alta que se pode recomendar para seres humanos. "Foi uma escolha consciente: a gente queria ver se o efeito seria real e, caso não fosse, partiria para outra", diz Scheinberg. Ao longo de dois anos, por conta dos efeitos colaterais (como câimbras e inchaço), cinco pacientes resolveram sair do teste. Dois deixaram a pesquisa sem explicar o motivo, outros dois preferiram buscar terapias alternativas e um morreu por problemas no pulmão causados pela doença genética que tinha.
Apesar dessas dificuldades, as análises mostraram que o danazol conseguiu aumentar os telômeros dos pacientes, que andavam encolhendo em ritmo acelerado (com seis meses de estudo, 16 de 21 participantes tiveram esse efeito). A perda de células do sangue, derivadas da medula óssea, também foi revertida (em 19 dos 24 pacientes que ainda estavam no estudo após três meses, e em 10 dos 12 que chegaram ao fim dos dois anos de pesquisa).
É a primeira vez que se demonstra a possibilidade de reconstituir telômeros em seres humanos, com efeitos positivos para a saúde. "Há vários trabalhos mostrando a associação entre o encurtamento dos telômeros e o envelhecimento, bem como problemas cardiovasculares e câncer, ou seja, parece que não se trata de um problema apenas para quem tem uma doença genética", diz Scheinberg.
NO BRASIL
Rodrigo Calado conta que os estudos estão continuando na USP de Ribeirão Preto, onde um grupo de 12 pacientes, também com problemas genéticos que afetam os telômeros, está recebendo outro tipo de hormônio masculino, a nandrolona. Os testes já acontecem há um ano e devem continuar por mais um ano e meio, estima o pesquisador.
"Os resultados preliminares indicam que os benefícios para esse grupo têm sido semelhantes aos que os pacientes americanos tiveram", afirma Calado. Os voluntários recebem a substância por via intramuscular. A nandrolona foi escolhida porque seu uso traz menos efeitos colaterais que o do danazol. A pesquisa tem apoio do CNPq e da Fapesp.
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