Ajuda a dormir e o desnatado não é o melhor: vamos falar de leite?
Está no nome da classe animal: bebês mamíferos possuem a característica comum de tomarem leite. Uma espécie de mamífero -- nós, seres humanos -- inovou ao continuar tomando leite após a primeira infância.
Existem evidências de ordenha de vaca para obtenção de leite datadas de 9.000 anos antes de Cristo. Há quem diga que outros animais só não fazem o mesmo pelo fato do leite ser escasso na natureza e, claro, por não terem domesticado outros animais e desenvolvido técnicas de conservação e eliminação de bactérias -- a pasteurização. O que não significa que não apreciariam -- experimente oferecer leite para um gato, por exemplo.
Mas o que ele tem de tão rico? Cerca de 87% do leite é composto por... água! Contudo, os outros 13% são nutrientes importantes para nosso organismo, como proteínas, sais minerais, vitaminas e gordura.
Dentre esses nutrientes, o cálcio é um dos principais. Isso porque não é tão fácil encontrar fontes ricas desse mineral, necessário em nosso organismo para a composição dos nossos ossos e para funções como contração muscular e coagulação.
Por esse motivo, além de ser fundamental nos primeiros anos de vida -- adquirido primordialmente pela amamentação materna -- é indicado para todas as idades, na forma de leite de animais como a vaca.
"E quando falamos leite, falamos laticínios em geral", diz Carlos Alberto Nogueira de Almeida, diretor da área pediátrica da Abran. "Queijos, iogurtes, todos são fontes dos nutrientes que o leite possui". O leite de cabra é semelhante ao de vaca em termos nutritivos. "Mas é mais pobre em ácido fólico [vitamina B9], cuja carência pode causar anemia", diz o médico nutrólogo.
Mas, apesar de rico e nobre, a ingestão de leite ao longo da vida é algo problemático para muita gente. Estima-se que cerca de dois terços da população mundial sentem desconforto ao tomar leite devido à intolerância ao açúcar presente na bebida -- a lactose --, segundo Adriane Antunes de Moraes, professora do curso de Nutrição da Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp. Além disso, há quem tenha alergia à proteína do leite, problema mais raro, no entanto, bem mais grave.
E há quem associe o leite a outros males. "A exploração industrial do leite exige que as vacas fiquem prenhas. A cria da vaca, o bezerro, acaba sendo um subproduto dessa produção, o que provoca sofrimento em animais", diz Eric Slywitch, médico nutrólogo e diretor do departamento de nutrição da Sociedade Vegetariana Brasileira. O leite também pode ter alta concentração de agrotóxicos quando a criação de animais que o fornece ocorre onde há uso desses produtos. Muitos agrotóxicos são lipossolúveis -- se associam à gordura do leite.
Para algum alívio dos apreciadores, poderíamos arriscar dizer que a problemática termina por aí. Segundo os especialistas consultados pelo UOL, associar o leite a outros tipos de alergia ou dizer, por exemplo, que ele bloqueia a glândula pineal, que fica no cérebro, não passam de exageros.
Não é necessário temer o leite nem e os mitos ligados a ele. O leite desnatado, por exemplo. De fato, tem menos gordura, mas não é o mais recomendado para todas as pessoas. Se você não quer perder peso e nem tem colesterol alto, não precisa radicalizar: que tal o caminho do meio, o do leite semidesnatado?
Há pessoas que têm alergia à proteína do leite de vaca. O problema é raro e grave. Ocorre principalmente em crianças e bebês, que possuem o trato intestinal pouco desenvolvido. Segundo pesquisa de Adriane Antunes de Moraes, professora de nutrição da Unicamp, a incidência dessa alergia no primeiro ano de vida pode variar entre 2 e 3%. Quando a mãe não pode amamentar, existem fórmulas especiais que substituem o leite materno. O indivíduo alérgico ao leite precisa interromper totalmente o consumo. Contudo, a hipersensibilidade às proteínas do leite tende a diminuir com o passar dos anos -- acometendo apenas entre 0,1 e 0,5% da população, segundo Moraes. Para o nutrólogo Carlos Alberto Nogueira, a criança alérgica precisa de acompanhamento médico para garantir uma boa adaptação do organismo e a cura da alergia.
Que tem intolerância pode tomar de forma dosada
Já quem tem intolerância não consegue digerir bem o açúcar do leite, chamado lactose. Ao contrário da alergia à proteína do leite, que diminui com o passar dos anos, a intolerância tende a aumentar . Isso porque nascemos com uma enzima própria para digerir a lactose, chamada lactase -- bebês precisam muito dela, pois tudo o que fazem é mamar. Ao envelhecermos, cai a produção dessa enzima pelo nosso organismo, o que pode causar a intolerância. Os sintomas são desconforto ao ingerir leite, dor abdominal e formação de gases. Mas a intensidade da intolerância varia de pessoa para pessoa e depende da dose de leite ingerida. "Há quem seja intolerante, mas consiga tomar um cappuccino, comer uma bola de sorvete, uma fatia de pizza de mussarela, sem sentir mal-estar", diz o nutrólogo Carlos Alberto Nogueira. A restrição ao consumo de leite e derivados vai depender do tamanho do desconforto.
Qual quantidade você deve (ou deveria) tomar?
Para fazer esse cálculo, vamos lembrar dos dois nutrientes principais do leite, a proteína e o cálcio. "Em algumas dietas nos quais as fontes de proteína de origem animal são pequenas, as proteínas do leite podem representar um diferencial importante", diz Adriane Antunes de Moraes, professora da Unicamp. Contudo, nossa necessidade proteica pode ser complementada ou até suprida por outros alimentos. Um copo de leite tem 6g de proteína. Já um bife de carne de vaca possui 27g e um filé de peixe, 23g. Agora, para obter cálcio na dieta, é mais difícil fugir do leite. A recomendação de ingestão de cálcio é de 1.000 mg por dia para adultos -- crianças, jovens e idosos podem precisar de mais. Como um copo de leite (200 ml) possui cerca de 240 mg de cálcio, precisaríamos beber quatro copos, o que pode ser exagerado. "Ele é um alimento como qualquer outro. Quem beber muito, pode passar mal", lembra o nutrólogo Carlos Alberto Nogueira. Numa dieta saudável, a quantidade necessária de nutrientes está bem distribuída numa grande variedade de alimentos. Assim, um ou dois copos de leite por dia integram bem um cardápio rico sem provocar maiores incômodos no sistema digestório (antes chamado de sistema digestivo).
Quem não toma leite precisa achar substitutos
Muita gente toma pouco ou não toma leite, por restrição ou opção. Há quem precise excluir da dieta o leite e todos os seus derivados, inclusive de receitas. O maior problema relacionado a isso pode ser a carência de cálcio. Em alguns casos, é necessário tomar suplementos de cálcio em forma de comprimidos para suprir nossa necessidade de 1.000 mg diárias. Para evitar o uso de medicamentos, a forma mais fácil de suprir nossa necessidade de cálcio é através dos chamados 'leites vegetais' -- que não são leites, já que não são produzidas por glândulas mamárias. Mas atenção: é importante que esses leites sejam fortificados com cálcio. O sal mineral não está presente naturalmente nos vegetais utilizados em sua produção.
A dieta vegetariana e o leite
Para vegetarianos que também não tomam leite, uma dieta rica em cereais integrais, feijões, frutas, legumes e verduras, leites vegetais fortificados e sementes oleaginosas garante fonte completa de nutrientes. O vegetariano precisa cuidar para que sua dieta seja rica em vegetais que oferecem cálcio de boa absorção. "A absorção do cálcio do leite de vaca é de 30%, igual ao do tofu (queijo de soja). Em vegetais como couve e brócolis, é de 40% a 60%. O teor de cálcio é menor nesses alimentos, mas a absorção, maior", explica o nutrólogo Eric Slywitch. Contudo, isso pode ser ainda insuficiente para suprir a necessidade do nutriente. Basta pensar que seria preciso comer por dia 20 folhas de couve -- que é rica em cálcio -- para alcançar os 1.000mg que precisamos. Para garantir um bom aproveitamento, é muito importante reduzir o consumo de vegetais de ácido oxálico (espinafre, acelga, folhas de beterraba e cacau), que atrapalham a absorção do cálcio.
Você pode trocar o leite por...
É fácil conseguir fontes de cálcio em uma dieta baseada em vegetais, segundo o nutrólogo Eric Slywitch. São ricos em cálcio as verduras de cor verde escura, como a couve, rúcula, agrião, brócolis, escarola e mostarda. Para facilitar a digestão e absorção, uma opção é o preparo de sucos verdes. Outra boa fonte de cálcio é o gergelim, fácil de usar em receitas de salgados e sopas. Seis colheres de sopa de gergelim oferecem quase 825 mg de cálcio -- o equivalente a quase quatro copos de leite. Para o médico, a absorção do cálcio no gergelim é um pouco menor que a no leite, "mas a quantidade compensa". Outra opção para obter cálcio é o tofu. Os chamados leites vegetais, como os de gergelim, aveia, soja e arroz, possuem proteína de boa qualidade e devem ser fortificados com cálcio -- oferecendo, assim, a mesma quantidade presente no leite de vaca. Eles são encontrados nos supermercados, mas podem custar o dobro do preço do leite de vaca. Oleoginosas como castanhas e amêndoas possuem teor de cálcio razoável, mas precisariam ser ingeridas em quantidade elevada para suprir a necessidade do mineral, o que deixaria a dieta muito calórica. Apesar de nutritivos, os leites vegetais caseiros, à base de amêndoas, sementes de girassol, castanhas do Pará, contêm baixo teor de cálcio.
Qual a diferença entre leite A, B, C, longa-vida e cru
Caso você tenha uma vaca leiteira e siga diversos cuidados de higiene, você até poderia beber o leite, que neste caso é chamado de leite cru, mas seu consumo não é recomendável, e a venda é proibida. No Brasil, só é permitida a comercialização do leite que passa por processo de pasteurização, que garante a eliminação de bactérias danosas. Há uma confusão muito comum, de que o leite tipo A possui menos gordura que os outros. Errado. Todo leite é igual em nutrientes. É o número de bactérias residuais encontradas no leite que determina seu tipo: A, B ou C. O leite de tipo B e C recebe menos cuidados - ordenha pode ser manual para o leite C, leite pode ser armazenado em latões, pode ter até 40 mil bactérias por mililitro. Já o leite A exige ordenha mecânica, resfriamento imediato, instalações mais bem equipadas e máximo de 500 bactérias por mililitro. Há ainda um quarto tipo, o leite longa-vida (ou UHT), que passa por processo mais intenso de eliminação de bactérias, chamado de ultrapasteurização, e recebe a adição de estabilizantes, possuindo período de conservação maior que o dos outros leites. Contudo, a ultrapasteurização pode levar à perda de alguns nutrientes
Integral, semi-desnatado e desnatado: qual tomar?
É a diferença na quantidade de gordura que determina essa diferença. O integral tem um teor mínimo de 3%, enquanto o semidesnatado varia de 0,6 a 2,9% e o desnatado tem no máximo 0,5%. O leite desnatado possui menos gordura, mas isso não significa que seja o mais indicado para todos. Quem não possui sobrepeso e não enfrenta problemas como o de colesterol alto, não precisa evitar a gordura do leite. Pelo contrário, a gordura existente no alimento compõe uma alimentação rica. Para Maria Carolina von Atzingen, nutricionista da Faculdade de Saúde Pública da USP, o leite semi-desnatado é o mais indicado para pessoas saudáveis por conter um teor menor de gordura que o integral e contribuir com uma dieta equilibrada. "O desnatado deve ser escolhido por indivíduos que precisam reduzir os níveis do colesterol LDL do sangue, o popularmente conhecido como colesterol ruim, e por quem quer perder peso", completa a especialista.
O leitinho da vovó que ajuda a dormir funciona?
Sim, ele funciona! O leite possui em sua composição proteínas que, quando digeridas, liberam um aminoácido chamado triptofano, que participa da produção de serotonina. Essa substância, encontrada no cérebro, promove sensação de bem-estar em nosso corpo e regula nosso sono. É como se fosse um calmante natural. "Para que o efeito seja melhor, recomenda-se a ingestão de leite com uma fonte de carboidrato, como o mel", diz Maria Carolina von Atzingen, nutricionista da Faculdade de Saúde Pública da USP. A dica vale para qualquer pessoa saudável que queira um empurrãozinho para embalar o sono.
O que acontece com quem toma leite com manga?
A resposta é: nada. A ideia de que a combinação de leite com manga numa mesma refeição faz mal é uma lenda que, segundo os especialistas, remete ao período da escravidão no Brasil. Nessa época, havia muitas mangueiras nas fazendas, e a manga era o alimento que os escravos mais tinham à mão Já o leite, por ser de produção mais elaborada, que exige a criação de vacas leiteiras, era considerado bem mais nobre. Os senhores de engenho, que queriam que o leite sobrasse em suas mesas, trataram de achar um jeito para desestimular os escravos a tomarem a iguaria, mesmo que às escondidas. Criada a história de que ele faria mal quando acompanhado por manga, bastou deixar o fruto para os cativos e o leite para empanturrar aristocratas.
Mas leite com carne não é mito: evite misturar
Se você já ouviu falar que não é recomendável tomar leite numa refeição que inclui carne, saiba que é dica é verdadeira. "O consumo de carnes junto com leite não é recomendado, pois o cálcio presente no leite interfere na absorção do ferro existente na carne", explica Maria Carolina von Atzingen, nutricionista da Faculdade de Saúde Pública da USP. Mas e o estrogonofe, que leva carne e leite no preparo? Pois é. Apesar de saboroso, o prato não é um dos que possui combinação mais inteligente em termos de nutrição. Quando ocorrem esses embates entre nutrientes importantes, nenhum acaba sendo absorvido corretamente. E sobram aqueles cuja absorção não é impedida mas que não são tão benéficos, como a gordura. Assim, leite e derivados devem ser evitados durante as refeições, principalmente por quem precisa garantir uma boa absorção de ferro - como quem esteja combatendo a anemia.
Não conte com o leite se estiver com gastrite
Há outra crença recorrente de que o leite cura a gastrite. A ideia estaria associada à redução da acidez do estômago pelo leite, que é um alimento neutro ou levemente ácido. O suco gástrico, que digere os alimentos no estômago, possui pH ácido. Quando a mucosa estomacal se enfraquece, a substância ácida produzida pelo órgão provoca danos no tecido que o reveste. Ao contrário do que se pensa, tomar leite pode piorar a queimação estomacal. Segundo Adriane Antunes de Moraes, pesquisadora da Unicamp, o consumo do leite leva a um efeito rebote: a acidez gástrica diminui e depois eleva, intensificando a azia.
Leite, sol e vitamina D, tudo a ver
O leite é fonte rica de cálcio. Mas o aproveitamento desse mineral depende muito da ingestão de vitamina D e da exposição ao sol. A pesquisadora da Unicamp Adriane Antunes de Moraes apresenta explicação interessante. "Há aproximadamente 400 milhões de anos os vertebrados deixaram o ambiente aquático, rico em cálcio, e passaram a viver fora dos oceanos. No novo ambiente, a quantidade de cálcio disponível nos alimentos era pequena. A vitamina D passou a desempenhar importante papel aumentando a absorção do cálcio". A exposição ao sol induz à produção de vitamina D. Contudo, como as pessoas não tomam sol o suficiente - devido à pouca exposição associada ao modo de vida e à proteção contra danos provocados pelos raios solares -, conseguir vitamina D de outras fontes tornou-se fundamental.
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